Ditadura ou Ditabranda?

Afora a Internet, os únicos dois lugares onde busco notícias sobre o que acontece no Brasil e no mundo são nos telejornais da Band, em especial no jornal da noite (com boas reportagens do Boechat, comentários direto ao ponto do Joelmir Beting e de quebra a belíssima Ticiana Villas-Bôas que apresenta o tempo) e na Revista da Semana. Esta revista me agrada por ser bem sucinta, a maioria das matérias com no máximo meia página, abordando de forma resumida porém não menos informativa os principais acontecimentos. E apenas para deixar claro, não ganhei nenhum centavo com a propaganda acima...

Na edição desta semana há uma reportagem sobre um assunto que passou despercebido, pelo menos por mim, durante este Carnaval: o jornal Folha de São Paulo publicou em seu editorial um texto falando a respeito do plebiscito da Venezuela, que culminou na vitória de Chavez com a aprovação da reeleição infinita. Entre uma série de comentários, o editorial descreveu como “ditabranda” o período de ditadura militar ocorrido aqui no Brasil, e isso provocou a ira e a revolta de inúmeras pessoas, com cartas enfurecidas para o jornal reclamando da postura do grupo. Duas cartas foram tidas como as mais marcantes, ambas com duras e inflamadas críticas. A primeira delas escrita pela socióloga Maria Benevides da USP, chamando de infâmia o termo usado pelo jornal e argumentando que a violação de direitos humanos deve ser combatida independente de números e importância. A segunda carta escrita por Fábio Comparato, professor de direito também da USP, defendendo que o autor do editorial fosse colocado de joelhos em praça pública para se desculpar para o Brasil. A resposta do jornal foi bem direta e severa, chamando os dois intelectuais de cínicos por nunca terem expressado publicamente repudio à ditaduras de esquerda, como em Cuba.

Eu não presenciei o período de ditadura com olhos mais críticos, apenas era um pequeno e simples texuguinho que estava aprendendo a ler e escrever. Logo, eu não posso expressar uma opinião muito profunda a respeito de como era na época, mas acho interessante levantar alguns pontos que acho importantes, o que gerou talvez um dos meus maiores posts. E o primeiro deles é definir o que é ditadura, afinal: a ditadura é um regime de governo onde o líder (ou líderes) não responde à lei, podendo, mas não necessariamente, ter conseguido o seu posto sem o voto do povo. É comum confundirmos ditadura com totalitarismo, que seria um governo opressor e que tem forte controle sobre o povo. Claro que normalmente a ditadura também é totalitária, e diria que um governo totalitarista não deixa de ter traços de uma ditadura, daí a confusão... E apenas para reforçar, o termo “ditabranda” não existe, tendo certamente sido criado pelo jornal de forma coloquial: o sufixo –dura de ditadura não tem nada a ver com severidade, é apenas usado para transformar o verbo ditar em substantivo. Logo, é apenas um jogo de palavras, para reforçar a opinião do jornal de que a ditadura no Brasil havia sido menos severa do que em outros países da América do Sul.

A primeira pergunta que faço é quem são as pessoas que se revoltaram contra o editorial? Acredito que não apenas os familiares das vítimas do regime, mas uma boa parte deve ser de simpatizantes do PT, pseudo-intelectuóides de esquerda, grupos de Direitos Humanos e afins. E certamente alguns deles que lutaram nessa época pela “liberdade”... Mas será que era pela liberdade mesmo?

Honestamente, eu nunca gostei muito de política, principalmente aqui no Brasil, já que o nosso povo é extremamente egoísta e interesseiro. É evidente que os nossos políticos se lançam em campanha com o objetivo final de ganhar rios de dinheiro às custas do povo, cujos interesses e necessidades ficam sempre depois do benefício próprio. É só ver como estão a educação, a saúde e a segurança pública. Não gostaria de generalizar, certamente existem políticos honestos que representam bem o povo de seu estado ou município, mas sabemos bem que são uma pequena minoria no meio de pilantras com seus castelos, fazendas, carros importados, viagens e salários astronômicos (sem falar na série de benefícios e “verbas idenizatórias”). Mas para o político ter tudo isso, ele tem que ter um cargo público, como deputado, senador, prefeito, ministro ou presidente, que coloque os nossos impostos à sua disposição.

Com isso, diria que em qualquer regime, se pegarmos a massa de políticos, sempre terá a turma da situação e a turma da oposição. O pessoal da situação é que está no governo, que conquistou o cargo, seja por voto popular, indicação ou golpe. Resumindo, são os caras que tomam as decisões e determinam o destino do dinheiro público, algumas vezes para suas carteiras. Por sua vez, o pessoal da oposição é o que luta contra o governo vigente, busca os seus podres e faz de tudo para derrubar o pessoal da situação e assumir o seu lugar. E se nessa luta entre situação e oposição esta última consegue tirar a primeira do poder, os papéis se invertem e o ciclo se reinicia.

Acontece que nesse círculo vicioso temos sempre a questão que envolve as vantagens do cargo público. Convenhamos, ninguém iria ser político se não tivesse algo de bom, se não compensasse o esforço. Um deputado terá todo o seu “trabalho” recompensado no fim do mês com salários exorbitantes de dezenas de milhares de reais, sem falar de todas as regalias que os políticos “têm direito”. E sabemos muito bem que o fato de ter as verbas públicas tão próximas também leva aos abusos que já estamos cansados de ver em jornais e revistas. Quem já viu o filme A História do Mundo do Mel Brooks se lembra da clássica frase “It’s good to be the king”, e aqui no Brasil certamente também deve ser muito bom ser ministro ou deputado. Com isso, enquanto a situação está sentada no trono tomando vinho e comendo caviar, a oposição normalmente está no banco de bar comendo arroz e feijão, enquanto luta para derrubar a situação de seu trono. E quando isso acontece, a oposição vira situação e passa a comer caviar... Enquanto isso, independente de quem esteja sentado no trono, o povo fica eternamente sobrevivendo na base do pão preto dormido com água morna.

Volto agora à minha pergunta, sobre o fato da oposição composta pelos “guerreiros da liberdade” lutando contra a ditadura militar que representava a situação: será que essa luta pela liberdade era realmente tão honesta e correta assim, ou será que havia algum interesse por trás? Refaço a minha pergunta, questionando se realmente essas pessoas que estavam lutando contra a ditadura como regime ou contra aqueles que estavam no poder naquela ditadura? Em outras palavras, será que esse grupo de rebeldes queria instaurar um outro tipo de regime no Brasil, ou o interesse era em tomar o lugar dos militares e passar a liderar uma nova ditadura de esquerda? Como disse acima, na maioria das vezes o objetivo principal da oposição não é mudar o país, mas sim garantir o seu caviar...

E para deixar evidente que esse raciocínio não é tão exagerado, é só ver Cuba. Durante a década de 50 havia na ilha caribenha a ditadura de Fulgencio Batista (que até tinha reconhecimento pelos EUA), que após 7 anos de regime totalitário foi deposto pelo golpe militar liderado por Fidel Castro. E com essa revolução toda, completamos meio século de ditadura em Cuba, com o barbudo de charuto à frente. Ou seja, derrubou-se uma ditadura para colocar outra, antes era o Batista que comia caviar e depois passou a ser o Fidel. Por essas razões me questiono se os militantes brasileiros da época, que ainda hoje se mostram grandes defensores de Fidel e do comunismo, não pretendiam o mesmo aqui no Brasil. O mais engraçado é que para essas pessoas quando se fala de ditadura em Cuba elas se referem apenas ao período de Batista, enquanto Fidel é “esquecido”. Dizem que em Cuba o regime é diferente do que estamos acostumados, mas não é uma ditadura. Tá certo, e eu ganhei o título de mais sexy de 2008... Fica claro que para esse pessoal se a ditadura tem origem socialista, não tem problema, já vi pessoas bostejando coisas como “a ditadura do proletariado é a verdadeira democracia”. Exatamente o ponto destacado pelo jornal, em resposta aos dois intelectuais inflamados acima que condenaram a ditadura militar e que supostamente nunca fizeram um pio em relação ao regime cubano.

Sob meu ponto de vista, acho que não podemos nunca ter essa situação de um peso e duas medidas. Por exemplo, é interessante observar como a esquerda brasileira contesta o fato de que uma mesma lei só é aplicada ao pobre enquanto o rico não é atingido, e exigem igualdade para ambas as classes. Muito bonito, concordo plenamente. Porém, na hora de contestar regimes totalitários e ditaduras, só falam da ditadura dos militares. Pergunto: será que as ditaduras de Fidel Castro, com inigualável liberdade de expressão e respeito pelos direitos humanos, ou de Stalin, com apenas milhões de pessoas exterminadas, são exemplos de governos democráticos? Ah, acho que já sei a resposta, tudo isso não deve passar de mentiras boladas pelos Estados Unidos, para justificar o embargo à Cuba e a Guerra Fria...

Afinal de contas, se a ditadura é um regime tido como opressor e desumano que deve ser combatido, isso deve valer para todas as ditaduras, independente de sua posição política. Nesse ponto concordo completamente com a Folha, acho que não apenas os “intelectuais” Benevides e Comparato mas todos os críticos da ditadura militar só podem condená-la se também condenarem todos os regimes ditatoriais, a começar por Cuba. Me desculpe, mas acho que realmente é uma hipocrisia e cinismo por parte de professores defensores dos Direitos Humanos ignorarem o que acontece na ditadura caribenha, onde é evidente que tais direitos não são respeitados em sua totalidade por meio século. E o que teriam a dizer a respeito das ditaduras do Leste europeu, será que Stalin seria um exemplo de respeito aos Direitos Humanos na extinta URSS? E podemos citar outros exemplos na Ásia, com a China de Mao e o Camboja com Pol Pot e o Khmer Vermelho, ambas ditaduras de esquerda extremamente violentas. O que os “intelectuais” falam a respeito? Perdoe-me a grosseria, mas esse papo de “ditadura do proletariado” é o car@%#$, é ditadura do mesmo jeito, e se você é contra o regime deve se opor também a esses governos, que comprovadamente mataram e ainda matam aos montes e cospem em cima dos Direitos Humanos.

Outro ponto que deve ser levado em consideração (e que aparentemente foi esquecido pelos críticos da Folha e da ditadura) é a liberdade de expressão. Para quem não sabe, o editorial é um espaço onde o jornal expressa a sua opinião, onde o tal cometário da “ditabranda” ocorreu. Em nenhum momento tal definição foi usada em uma matéria do corpo do jornal, cuja função é meramente informar os fatos e deixar que o leitor tire as suas próprias conclusões. E opinião é que nem o esfíncter, cada um tem o seu (versão politicamente correta do ditado popular). Afinal de contas, acredito que uma das coisas que a liberdade de expressão, tão defendida pelos críticos da ditadura, prega é que cada um tem o direito a ter a sua opinião e esta deve ser respeitada. O que não ocorreu com o editorial da Folha a partir do momento que os dois professores e muitos outros leitores desceram a porrada no jornal como se tivesse escrito uma atrocidade terrível como 5+7=57 ou que Paris é a capital da Austrália. Fico me perguntando qual seria a reação dessas mesmas pessoas se o editorial fizesse duras críticas aos EUA ou exaltasse o Hugo Chavez, algo que certamente é encontrado nos jornalecos comunistas, com suas notícias escritas sempre sob influência da esquerda e do governo, que certamente deve injetar alguma grana nesses jornais para dizer o que ele quer. E viva à liberdade de expressão!

Apenas para jogar lenha na fogueira, muito se fala de coisas positivas durante a era da ditadura do regime militar, reforçando a minha teoria de que nada nesse mundo é 100% positivo ou negativo: por exemplo, grandes obras que são hoje muito importantes para a nação, como a usina hidrelétrica de Itaipú e a ponte Rio-Niterói, foram feitas durante esse período; maior segurança nas ruas, sem a quantidade absurda de crimes diários nos grandes centros; punição severa aos criminosos (podiam se chamar de lutadores pela liberdade, mas praticavam sequestros, roubos e assassinatos – será que os fins justificam os meios?), inclusive com pena de morte. Realmente, estamos bem melhores hoje, com obras do PAC destinando o meu e o seu imposto para favelas que destróem a paisagem natural de nossa cidade e são redutos de traficantes, com pessoas de todas as idades, sexos e classes sociais morrendo indo para a escola ou para o trabalho, e com milhares de criminosos, bandidos e ladrões cometendo crimes e tendo toda a proteção dos Direitos Humanos, mordomias nos presídios e tendo até o direito de sair da cadeia para visitar a mamãe no feriado, com a esperança das autoridades de que eles voltem... Realmente, é pra ter um imenso orgulho do Brasil-il-il...

E para concluir, pergunto sobre o que temos hoje: será que é muito diferente de uma ditadura? Eu retorno à definição de ditadura, que diz que os líderes de governo não respodem à lei. Familiar ou será que isso é algo que não acontece hoje em dia, depois de vermos por exemplo a turma do mensalão que roubou e ficou por isso mesmo? Acredito que só mudaram os personagens, mudaram algumas restrições e problemas, mas no fundo é a mesma merda. Se antes não havia a liberdade de expressão, hoje não temos a liberdade de ir e vir, saímos de casa para trabalhar e não sabemos se vamos voltar, se não vamos tomar uma bala perdida na testa, ser sequestrado ou roubado. Censura, será que realmente foi extinta? O que dizer de uma série de jornais que tem o rabo-preso com o governo, escondendo o podre de nossos governantes e forjando pesquisas de opinião para dizer que todo mundo tá satisfeito? Inclusive “calar” a Folha pelo embasamento político de seu editorial, algo que alguns estão defendendo, seria o quê, liberdade de expressão? Sem falar da violência, talvez os defensores dos Direitos Humanos e intelectuais só se comovam com os mortos da ditadura, hoje morre mais gente nas grandes cidades do que em muitas guerras. Ah, me desculpe, os Direitos Humanos estão aí sim, perdoe-me a ignorância. O fato de que eles só aparecem para passar a mão na cabeça de bandidos mortos e estupradores espancados é um detalhe sem importância...

Enfim, acredito que certamente a ditadura teve muita coisa negativa, e que a posição tomada pela Folha de taxá-la de branda não é muito correta. Mas não acho justo ignorarmos outras ditaduras que sem dúvida foram e ainda são mais severas do que a que tivemos, fazer isso acaba mostrando que a revolta não é contra o regime e sim para tomar o lugar da situação. Eu adoraria fazer para os professores Benevides e Comparato e para as demais pessoas que estão criticando o editorial do jornal uma simples pergunta: “E o que você tem a dizer sobre a ditadura de Cuba?”

Acho difícil que alguém venha a contestar o regime do Fidel também, mas esse alguém seria pelo menos uma pessoa coerente, pois deixaria claro que de fato não aprova o regime ditatorial, independente do país e de suas origens políticas. Mas tenho certeza de que a maioria responderia coisas como “Ah, Cuba é diferente”, “Cuba não tem nada a ver com a ditadura criminosa dos militares do Brasil” e “não tenho que condenar a suposta ditadura de Cuba para criticar a ditadura militar” (esta última que resume a essência de muitas das cartas enviadas ao jornal). Repito, se um indivíduo critica a ditadura militar porém não critica a ditadura de Cuba, então ele não contesta a ditadura de fato, apenas é contra quem estava no comando da ditadura, condena os militares que eram situação na época e não o tipo de regime. O que na minha opinião não passa de uma grande hipocrisia e falsidade ideológica, reforçando ainda mais a hipótese de que estes “heróis revolucionários” apenas queriam “mudar o lado” da ditadura, criar uma ditadura de esquerda. Ou seja, queriam sentar no trono e comer caviar...

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