Infância desajustada?

Se você se lembra, em algumas oportunidades comentei a respeito de um jornalzinho que é distribuído na Zona Sul do Rio de Janeiro, o tal do Posto Seis. Comecei fazendo esta postagem daqui, e logo depois fiz mais outra, todas elas comentando a respeito das propagandas bizarras que encontramos no meio das páginas. 

Propagandas bizarras como o do famoso Dr. José Ribamar, que reformulou mais uma vez sua publicidade. Se você observar bem e olhar na segunda postagem acima, vai ver que o velhote da esquerda foi photoshopado ali. Ou ele é uma estátua empalhada de um antigo cliente que morreu na cadeira quando o doutor cometeu um terrível engano sobre onde deveria enfiar a câmera intra-oral.


Ou algo como aquela típica imagem da mulher sorrindo mostrando que perdeu peso. Mas chega a ser assustador, ao ver o tamanho da calça que ela está usando.


Uma outra propaganda que me intrigou é essa abaixo, de uma clínica de ultrassonografia, com direito a um feto que mais parece um alien dormindo...


Alguém pode me explicar o que seria uma ultrassonografia 4D? 

No jornal ainda há espaço para serviços de utilidade pública, como a mulher que se deu ao trabalho de fazer um aviso a respeito de uma gata perdida.


Qual foi? Eu sou um texugo, e tenho carinho pelos meus amigos do Reino Animal! Tomara que a gatinha acima seja encontrada e devolvida para sua dona.

Por fim, temos direito até mesmo a uma propaganda de uma loja de cosméticos. Até aí, nada demais... A não ser pelo fato de que o real interesse é divulgar a seção erótica da loja, com direito a anunciar alguns de seus produtos, como um tal de Octopussy. 


Fico imaginando agora, os fundos da loja, com aquela cortininha preta e um aviso luminoso em cima dizendo "somente para maiores de 18 anos", com uma velha entrando ali para achar algum brinquedo para satisfazer seus prazeres carnais já que a pipa do vovô não sobe mais...

Enfim, o real motivo da minha postagem não era exatamente falar da publicidade absurda que vemos nas páginas desse jornaleco, apenas não quis deixar passar a oportunidade. O que me trouxe aqui foi um texto publicado na edição da última quinzena, onde um jornalista e editor de livros, chamado Mauro Wainstock, decidiu falar a respeito de algumas das práticas usadas com crianças pequenas, em especial falando a respeito de típicas canções e histórias que divertem os pimpolhos à gerações. Um texto que me deixou, sinceramente, bem revoltado, considerando a quantidade de baboseiras ditas ali. 

Vou fazer o seguinte: vou reproduzindo o texto dele por partes, colocando em itálico, e em alguns momentos vou dar uma pausa para fazer meus comentários.

"Se você tem filhos abaixo dos cinco anos, este texto é para você. Se você é um filho acima desta idade, este artigo também é para você. Mas o bom senso adverte: as linhas a seguir são impróprias para crianças, de todas as idades, afinal, vamos falar sobre músicas e histórias infantis."

Podemos aqui colocar aquele som fúnebre, como a Marcha Imperial por exemplo. Vamos seguindo e ver o que o sujeito vai dizer.

"De forma geral, elas são, simplesmente, aterrorizantes. No solitário berçário, o inicio da imaginação. Apesar da positiva intenção, o começo da ilusão. A partir dai, só decepção, mesmo sendo ficção. Cena familiar: o bebê tentando dormir com a canção 'Nana neném que a Cuca vai pegar, mamãe foi para a roça e papai foi trabalhar'. Deixaram o indefeso sozinho, desesperado, prestes a ser atacado. Buá! Pesadelo assim, nem pensar. Sonhar, só com muita paz, Esta não é a maneira eficaz."

A primeira coisa que percebo é como o cara parece fazer umas rimas forçadas, como imaginação, ilusão, decepção, ilusão. E já dá a tônica de seu ponto de vista, ao dizer que as histórias infantis são aterrorizantes, começando a criticar a Cuca.


Na boa, concordo até que o personagem do Monteiro Lobato dos meus tempos de televisão dava até um certo medo, parecendo um cruzamento entre o Zé Jacaré e o Xororó... Mas é na minha opinião exagero pensar que um bebê, que mal sabe andar e cagar no penico, vai entender o que seja uma roça ou o que é trabalhar, quanto mais uma criatura fantasiosa. Essas músicas de ninar são eficientes pela sua melodia, poderia cantar algo como "Peida neném, que a bosta vai voar, Zezé foi cheirar coca e o sapo coaxar" no mesmo tom que teria o mesmo efeito.

"Mas tem mais: o que dizer de 'Atirei o pau no gato, mas o gato não morreu...'? Tentativa de homicídio frustrada. Deveria ser censurada. E a 'Dona Francisca (Chica)', logo ela, admirou-se com o 'berrô' de sofrimento da pobre criatura, mas não fez coisa alguma. No mínimo. deveria ter dado uma dura... miau!!!"

Mais um clássico infantil destroçado... Tentativa de homicídio (ou gatocídio, tanto faz), como assim? Será que na cabeça do sujeito cantar essa música para crianças pode torná-las assassinas em um futuro próximo? E até sobra pra Dona Chica que é chamada de indiferente... 

"E por falar em animal, um exemplo magistral: 'Boi, boi, boi... boi da cara preta, pega esta criança que tem medo de careta!'. Defina como quiser: ameaça, bullying, racismo ou todas as alternativas anteriores. Sem valores. Já na natureza, muita tristeza: "O cravo brigou com a rosa. Ele saiu ferido é a rosa despedaçada'. Quanta crueldade. só maldade!"

Puta que pariu! Tava demorando pra aparecer alguma condenação de racismo, só por causa do "boi da cara preta"! Estou vendo, daqui a pouco a palavra "preto" vai ser um palavrão pior do que merda, caralho, puta ou bosta! 


Só pra lembrar que existe boi preto também. E dizer "boi preto" não tem nada de racista, cacete! Como é que você vai querer que eu diga a merda da cor da pôrra do boi? Estou ficando puto...

"Mas também tem tragédia: 'A canoa virou, pois deixaram ela virar (como assim???), foi por causa do (nome da criança) que não soube remar'. Conclusão: culpa, incompetência, futuro trauma. Faltou bondade. E o mínimo de solidariedade. Nem o amor escapou: 'O anel que tu me destes era vidro e se quebrou... E o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou...'. Um simples símbolo na mão estilhaçou o sincero desejo do coração. Humilhação. sem final feliz."

Isso mostra o exagero... Nunca escutei muito essa música da canoa (somente conheço a marchinha de Carnaval, "se essa canoa não virar, olê olê olá, eu chego lá"), mas você percebe como na cabeça do cara que escreveu esse texto tais músicas são nocivas, pois vão colocar um sentimento de incompetência e culpa nas crianças? Acho meio exagerado, se por um lado a criança é como uma esponja, absorvendo muitas coisas ao seu redor, ela também esquece fácil. A não ser que os pais cantem essa musiquinha da canoa a cada dez minutos, ou cantá-la se quando aparecer no noticiário de televisão que um navio afundou, tudo bem... Mas também não vamos exagerar, né?

"Agora, as historinhas infantis. Doce fantasia, muita covardia. Era uma vez o Pinóquio. que ficou famoso por ser mentiroso. Exemplo do mal, quanta cara de pau!"

Se me lembro bem, o Pinóquio se fudia por ser mentiroso. Tudo bem que ele ficou famoso por esse motivo, mas a história passa uma moral de que mentira tem perna curta, que tem as suas consequências. Tem tanta gente que ficou famosa por mentir ou dizer que não sabia de nada, e ninguém diz porcaria nenhuma...


"Chegamos a outro ponto: o conto do 'Chapeuzinho Vermelho'. Não dá para dar desconto, trata-se de um confronto. A ingênua garotinha leva uma cestinha para a sua querida vovozinha. Mas encontra o lobo sedutor; assassinado pelo caçador protetor. Apesar do 'Happy end', suspense, crime, violência. Que terror, assustador! E se encurtássemos a versão, deixando a protagonista ser 'devorada' pelo abominável ladrão (canibalismo ou pedofilia)? Aí sim, a moral da historia seria: não se deve falar com estranhos, principalmente se forem animais. Devastador!"

Nem a Chapeuzinho Vermelho escapou... Não vi nada de problemático, o cara diz que se trata de um confronto, qual o problema? Tudo bem que existem algumas diferentes versões, em uma delas por exemplo, o Lobo Mau engole a vovózinha inteira, e depois a própria Chapeuzinho Vermelho. O vilão lupino depois cai no sono, e um lenhador aparece abrindo a barriga dele e salvando as duas. Em outras versões, o Lobo simplesmente prende a velha no armário e o caçador aparece antes dela ser comida.


Impressionante como o cara que escreveu esse texto ainda vem falar que a história possui pedofilia... Sim, na cabeça dele os garotos que ouvirem essa história vão se tornar pedófilos... Tenha a santa paciência...

"Neste apavorante universo infantil, práticas nocivas são transmitidas inconscientemente, reforçadas repetidamente e consolidadas espantosamente. Francamente! A saudável convivência cede espaço à incoerência, a conscientização se desvencilha da razão, apesar da emoção. E a moral, ideal, não entra na história. Nenhuma vitória! Na inversão de valores, o ensinamento de horrores: um lado obscuro outro sem futuro. Este sim: real, fatal!"

Já entendi que você gosta de fazer rimas, mesmo o texto não sendo uma poesia! Eu sinceramente não vejo essas histórias e canções como incentivo à práticas nocivas. Da forma como esse parágrafo é escrito, é como se as crianças que fossem expostas a tudo isso (como inúmeras gerações que já passaram) viriam a se tornar adultos da pior qualidade.

"No final, a lição: a educação, mais do que diversão, uma importante questão. Exige urgente transformação. Na individualidade, a responsabilidade; na ação coletiva, o presente formador para o amanhã de louvor."

Pronto, com a última palavra do texto já dá pra ver que o cara é religioso. Fala sério, "amanhã de louvor" parece papo de igreja evangélica. Como se a Bíblia fosse tão própria para menores...

Sinceramente me surpreende como cada vez mais hoje em dia existe essa intensa e exarcebada busca pelo politicamente correto. Educadores, psicólogos e outros entendidos querem dizer o que é certo e errado, e acabam agindo, na minha humilde opinião, de forma muito exagerada contra certas coisas que estão aí há gerações sem nunca causar nenhum problema. O legal é que provavelmente muitos deles sequer têm filhos.

Por exemplo, não consegui ainda entender como que o cara acha que Chapeuzinho Vermelho incentiva a pedofilia. Só por uma eventual frase do tipo "o Lobo Mau comeu a Chapeuzinho Vermelho"? Fala sério, eu sei que hoje as crianças estão amadurecendo cada vez mais precocemente, mas duvido que uma criança em seus 5 ou 6 anos venha a interpretar tal frase como se o lobo tivesse baixado as calças e mandado ver na Chapeuzinho.


As pessoas parecer se esquecer que as crianças devem ser educadas pelos seus pais. Canções de ninar, histórias infantis, desenhos animados e etc são acessórios nessa empreitada, e cabe ao pai e à mãe usá-los da melhor forma possível. Por exemplo, continuando com a história da Chapeuzinho Vermelho, os pais podem falar muito a respeito de lições como "não falar com estranhos": afinal de contas, na fábula a menina diz para o lobo para onde ela está indo, o que permite ao lupino ir lá antes e comer a velha...

Antes que venham a pensar besteria, comer a velha como se come um sanduíche, um pedaço de lasanha ou carne. Não no sentido bíblico, seus intelectuóides defensores dos bons costumes!

Enfim, eu vejo que usar uma história de faz-de-conta para passar essa lição valiosa como algo inofensivo. Crianças mais jovens ainda não têm o discernimento, não têm a "malícia" de perceber se as intenções de uma pessoa que conhece na rua são boas ou ruins, então é muito melhor jogar na segurança e mostrar que, se falar com um estranho na rua, a criança pode acabar que nem a Chapeuzinho. Por mais que os "entendidos" venham a criticar, ainda acho melhor que a criança aprenda dessa maneira do que na prática, onde os resultados podem ser terríveis. Ou, usando as palavras do autor do texto, um problema "real, fatal".

Há quem diga que essa postura acaba inspirando o medo na criança. Como a canção da Cuca. Sinceramente, não vejo isso como tão problemático. Como diria o ditado popular, "quem tem c* tem medo". Lógico que a idéia não é amedrontar a criança, deixando-a apavorada com qualquer coisa. Mas o medo é um sentimento necessário, para que o ser humano reconheça seus limites e os riscos que o cerca. As pessoas em geral só fazem ou deixam de fazer alguma coisa por dois motivos: pensando na recompensa que pode ganhar ou por medo de sofrer de alguma forma. É assim que desde os primórdios o ser humano é.

Provo isso com alguns exemplos simples: sabemos muito bem que jogar lixo na rua é errado, mas mesmo assim a imensa maioria das pessoas só falta baixar as calças e cagar na calçada. Como que se resolve isso então? Dizendo que se você jogar lixo na rua vai pagar uma multa. Aí o pessoal vai ser mais limpo.

E com a educação da criança, muitas vezes o medo é necessário: dizer que a Cuca vai aparecer se ela não dormir é uma forma de mostrar para a criança que a hora de dormir é para ser respeitada; dizer que Papai Noel só traz presente para criança boazinha é uma maneira de motivá-la a se comportar; colocá-la de castigo no canto depois de fazer arte faz que ela perceba que fez algo de errado, e para não ser punida mais uma vez não deve fazer aquilo de novo.

Logicamente, os educadores "entendidos" vêem isso como práticas erradas.

O curioso é que o autor do texto não apresenta nenhuma solução alternativa, nenhuma sugestão para substituir tais canções e históricas tão macabras. Muito fácil criticar e ficar por isso mesmo, por que não propõe para a gente a forma correta de educar as crianças, o tipo de histórias que são aceitáveis para serem contadas?

Só sei de uma coisa: quando eu era criança, me leram todas essas histórias, e além disso brincava de Forte Apache e Comandos em Ação, tinha espingarda de brinquedo, assistia Pernalonga e Papa-Léguas e joguei jogos de videogame tidos como violentos, como Doom e Duke Nukem. E não me tornei um facínora assassino homicida louco e pedófilo...

Comentários